Cena
E foi aí, então, como eu ia dizendo, que ele começou a andar nervoso em círculos. Acendeu um cigarro, tragou com nojo e logo seguida apagou, como se tivesse gosto de fel. Voltou a andar em círculos, parecia nervoso, irritado, angustiado. Ele pára por um momento e olha os transeuntes. Alguns passam sem notá-lo, outros tentam evitá-lo, com medo. Ele é calvo, tem qualquer coisa entre trinta e quarenta anos e é muito magro. Deve ser o nervosismo que deixa ele magro desse jeito penso eu, enquanto tomo outro gole de cerveja. O bar está vazio hoje. Mercado público em dia de semana à tarde nem sempre tem muito movimento. O pessoal do bar discute alguma coisa sobre futebol ou política, algo sobre o mesmo juiz corrupto do supremo de sempre devolvendo o cargo para os mesmos deputados cassados por corrupção de sempre. Eu abstraio a conversa e focalizo a atenção no sujeito. Ele parece mais apavorado agora, como se fosse começar a chorar no meio da rua. Por um segundo minha consciência me cutuca um pouco, considerando algo imoral minha diversão com o sofrimento alheio. Olho para os lados e ninguém mais parece notar aquela cena. Talvez eu devesse me levantar, talvez eu devesse caminhar e dizer algo para ele. Mas eu tenho medo de estranhos, medo de contato, e mais medo ainda do medo. A fobofobia, como dizia Fausto Wolff. Minha covardia parece ser combustível para incendiar ainda mais meu resto de consciência que agora me fulmina, acusando minha omissão. A própria cerveja parece amargar em minha boca enquanto eu tento justificar que talvez o sujeito queira apenas ser deixado a sós, ou talvez esteja esperando por alguém, e que não há nada demais numa cena corriqueira dessas que me deveria obrigar a intervir. Peço uma cachaça da amarelinha e viro num trago só, tentando afogar no álcool aquela voz que me azucrina. Reparo novamente no cara e ele parece andar agora desconsolado, de um lado para o outro. Um punguista passa por ele puxando habilmente sua carteira do bolso e sai correndo. Ele faz menção de ir atrás, mas olha novamente para o lugar em que está, como se lembrando daquilo que espera, e desiste da perseguição. Ele senta desconsolado no chão. Em seguida deita e começa a rolar. Todos agora percebem ele. O dono do boteco bate no meu ombro e me diz: Fonjic, olha lá o papelão que você está fazendo, vai lá e pára com isso. Sem entender nada eu vou lá e digo àquele outro que pare com isso. Então uma longa chuva começa a cair e entendo que não estou mais ali. .
Escrito por Fonjic às 20h54
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